Talvez seja difícil falar deste espectáculo, ou pelo menos tanto como dos últimos, porque há mais uma vez a tentativa de fazer um trabalho que não tenha uma narrativa bem sucedida e que ainda assim seja eficiente a todos os níveis e que ao mesmo tempo propõe voltar à narrativa a partir de uma narração, mas sem passar pela psicologia narrativa. Tudo em bomba-relógio.
Agatha Christie pressupõe dois tempos distintos: o tempo do “Whodunnit?”, onde a narrativa impera; e a vitória do delírio (onde paradoxalmente a ordem se estabelece), onde há personagens, e sequências de acções, canções pop e (malgré tout) sequências narrativas. Cada item com a sua integridade, os seus limites e o seu próprio desenvolvimento. Cada coisa toma o seu lugar no todo. Cada parte utiliza o seu conteúdo, o seu tom, o seu ritmo e as suas qualidades formais, criando um meta-ritmo, um supra-objecto.
O tema da culpabilidade generalizada é tratado por Agatha Christie em ‘’Ten Little Niggers’’, destruindo uma convenção básica do policial (que é também uma das ficções da sociedade moderna): a determinação do culpado, esse lugar visível do mal que a todos redime. O policial clássico glosou até à exaustão este tema: os suspeitos podem ser muitos, todos terão motivos para matar, mas, no final, um só será o criminoso (mesmo quando ao “culpado” correspondem dois ou três sujeitos empíricos). Para lá da confiança epistemológica que a explicação do mistério sempre transmite, esta determinação do culpado nunca deixará de instaurar um sentimento de tranquilidade. Nas palavras de Abel Barros Baptista: “Uma vez decidida a questão de saber ‘quem teve a culpa?’, todos os problemas se dissipam e vai cada um à sua vida.”
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Co-criação e interpretação | André e. Teodósio, Carlos Alves, Cláudia Gaiolas, Cláudia Jardim, Diogo Bento, Patrícia da Silva, Paula Diogo, Pedro Penim, Sandra Simões e Sofia Ferrão
Design gráfico | Triplinfinito
Fotografia | Ângelo Fernandes e Sofia Ferrão
Desenho de luz e direcção técnica | Daniel Worm d’Assumpção
Direcção de produção e promoção | Pedro Pires
Co-produção | Culturgest