Em 2010 estreámos, neste auditório do CCB, Sonho de uma noite de verão a partir da peça homónima de Shakespeare e da semi-ópera de Henry Purcell, The Fairy Queen. The Tempest or The Enchanted Island é a outra obra composta por Purcell com ligações a uma peça de Shakespeare, neste caso servindo uma versão cómica da Tempestade que obteve enorme sucesso comercial durante os séculos XVII e XVIII. Da sua estreia chegou a seguinte impressão por parte de um espectador: “O teatro completamente cheio; o Rei e a Corte presentes: e a peça mais inocente que alguma vez vi.”
Partimos deste espectáculo perdido, e de todos os outros que existiram e não existiram, para nos lançarmos às tempestades. Com os mesmos recursos de Sonho de uma noite de verão (música, vídeo, atores, cantores, artistas plásticos…), mas dispostos de um outro modo, este musical, com música composta e arranjada, por Xinobi e Moullinex, sobre a partitura de Purcell, é uma continuação. A Tempestade segue então à deriva como uma ilha que é um barco, à procura do lugar desconhecido de onde partiu. À procura da cor justa (e não há justiça), à procura da câmara certa (e não há certezas), à procura de um outro espectáculo (e não há o outro), à procura da tempestade (quem?). Sem meio e sem meios. A procurar só porque sim.
É que a procura é tão falsa quanto o espectáculo ou o barco ou a ilha. É um espectáculo off (os ingleses dizem show off), areia para os olhos, uma experiência. E um pretexto para repetir tempestades. Embora não se saiba o que veio primeiro, se o pretexto se o resultado. Mas como A Tempestade inventa a sua própria crítica, a ordem é aleatória. Como tudo o resto. São acidentes. Como este texto que estão a ler agora aqui. Acidentes atrás de acidentes, frases atrás de frases a anunciar o seu conteúdo, a prometer o seu fim (aquele que não existe).
Já agora, se lhe perguntarem, diga que A Tempestade foi o espectáculo que não aconteceu, o discurso de um colectivo que não se sente confortável com a ideia de objecto na arte, para quem o espectáculos tem a utilidade de uma experiência cognitiva e não é mais que a oportunidade para curto-circuitar o mundo e os seus conteúdos. Diga que o que viu foi a descrição de um espectáculo sem o espectáculo original. É aquilo que eles sempre quiseram fazer e que continuam a não ser capazes de fazer. Pode dizer coisas assim. Ou não diga nada porque o espectáculo já disse tudo. Não se esqueça: o espectáculo acabou. O espectáculo não existe. Fim.
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Um espectáculo Teatro Praga
A partir de Shakespeare e de Purcell
Texto e criação | Pedro Penim, André e. Teodósio, J.M.Vieira Mendes
Música | Xinobi & Moullinex
Arranjos musicais | Carlos Clara Gomes
Com | Joana Barrios, Diogo Bento, André Godinho, Cláudia Jardim, Diogo Lopes, Patrícia da Silva, André e. Teodósio, Vicente Trindade, Daniel Worm d’Assumpção
Diretor vocal | Rui Baeta
Solistas | Rui Baeta (Barítono), Sandra Medeiros (I Soprano)
Coro | Ana Margarida Encarnação (II Soprano), Cristina Repas (Mezzo-soprano), João Francisco (Tenor)
Vídeo | André Godinho
Fotografia | Paulo Martins, Alípio Padilha
Cenografia | Bárbara Falcão Fernandes
Desenho de luz | Daniel Worm d’Assumpção
Coreografia | Vicente Trindade
Figurinos | Joana Barrios
Figurinos de época | António de Oliveira Pinto
Artistas convidados | Vasco Araújo, Catarina Campino, Javier Nuñez Gasco, João Pedro Vale
Equipa de vídeo | Joana Frazão, Salomé Lamas, Nuno Morão
Som | Jorge Imperial
Assistente de iluminação | Marta Fonseca
Produção | Elisabete Fragoso e Filipa Rolaça
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Duração | 100min